quarta-feira, 10 de junho de 2015

MORRER DE MORTE MORRIDA


Estive aqui a pensar que a morte, dependendo da forma como se morre, não deve ser assim tão má, há qualquer sensação de paz que ameaça me alcançar quando medito sobre ela. Uma amiga um dia disse que o nome disso é "Ideação Suícida",  quando nossa vida está um caos idealizamos na morte paz e tranquilidade. Não sei se concordo ou discordo, mas digo algo: tenho hoje 90 anos, há quase um século respiro o ar cada dia mais rarefeito desse mundo e sei que estabilidade é a última palavra de seu dicionário.

Em minha jornada, atravessei décadas de luxo e miséria, pisei em solos que prosperam e depois secaram na mesma rapidez, passei por transformações, vi mudanças que não mudaram e evoluções involuir . Estudei, muito pouco devo dizer, mas aprendi o suficiente ao longo da vida para saber o quão ela pode ser cruel. Conheci lugares, dores e amores. Me apaixonei. Casei quase como sonhei, tive filhos, os vi crescer, também ter filhos e morrer. Não há caos e babel que eu já não tenha presenciado. Hoje sou apenas saudade, nostalgia e enfermidade.

Quando penso na morte, confesso que penso na calmaria, sei que se acontecer de forma rápida quase não dará para sentir, será como piscar. Se for súbita, a imprevisibilidade é bem vinda, gosto de surpresas. Se for lenta, bem verdade que é agoniante e dolorosa, mas é também gentil a dar tempo para  eventuais despedidas físicas, espirituais e de consciência.

Quando penso na morte, há qualquer sensação de paz que ameaça me alcançar, não gosto das marcas, velhice e dos tons sépia impressos em meu rosto, fotografias e móveis. Me sinto uma denúncia ambulante. Seja de morte morrida ou de morte matada , é sedutora a incerteza e a curiosidade de saber o que vem a seguir. 

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