domingo, 26 de abril de 2015

Havia aquele rapaz


Havia aquele rapaz. Ele era amigo do amigo do meu vizinho de quarteirão lá no bairro. Era filho único, foi planeado quase da mesma forma que se planeiam grandes negócios. Durante nove meses esteve numa barriga que além de muito amor, respirava cuidado, dietas exemplares, pré-natais e abstinência.  Foi-lhe dado o nome do avó, um grande homem todos diziam. Cresceu educado, comportado e era muito inteligente. Não tinha vícios. Estudou nas melhores escolas, conheceu diversos lugares e falava vários idiomas. Na faculdade sempre esteve engajado, foi militante de causas, escuteiro, era bom de oratória, bom de amigos, bom de coração e bom de cabeça. Se formou com distinção na carreira escolhida pelos pais e não demorou para encontrar seu primeiro emprego. No segundo já era patrão.

Um dia conheceu alguém, uns admiraram, outros invejaram, mas ninguém ficava indiferente. Seus pais aprovaram, afinal, esse alguém era alguém. Se estavam realmente apaixonados, ninguém sabia. Sabiam que ele mandava flores para ela todas as semanas, se arriscava em serenatas, fazia tudo o que ela pedia e estava sempre mais sorridente quando ao lado dela. Logo noivaram, logo o casamento foi marcado.

Havia este rapaz, amigo do amigo do meu vizinho de quarteirão lá no bairro, que 24 horas antes de seu matrimonio ia a conduzir devagar e despreocupado pela avenida principal. No banco ao lado, felicidade, no de trás, as alianças. Mas havia também aquele caminhão que vinha no sentido contrário, seu condutor que não era nem parte da história estava bêbado. Surgiu uma luz, ouviu-se um grito, viu-se o embate, um tentou travar outro desviar, já era tarde.

Alguém morreu e não foi o cabrão roubador de histórias. Mais detalhes são desnecessários mas posso dizer que do corpo do rapaz pouco restou. Choramos todos, os pais, a noiva, os amigos, os vizinhos, a sociedade. Ele era jovem, tinha um futuro pela frente como se gosta de dizer. Ao descer o caixão, não descia junto qualquer conquista material, não descia nem corpo completo, descia esperança, sonhos, descia qualquer coisa dos pais (e ficava a culpa), descia qualquer coisa de todos nós, descia um futuro. Mas possivelmente subia uma alma. 

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